Uma vida com mais consciência
Eis que acordo de manhã, preparo meu café e me sento na mesa sozinha, no silêncio que as manhãs de segunda costumam ter agora que estou realizando grande parte das minhas atividades em casa. Tiveram momentos no passado em que o silêncio era assustador para mim, porque significava ausência, ausência de pessoas. Neste primeiro texto que escrevo, decidi contar um pouco da minha história com as práticas de mindfulness, pois desde que comecei a praticar percebi que a prática me transformou e gerou mudanças significativas na minha vida.
Pratico mindfulness há mais de 3 anos. Logo no início da minha jornada, fui a um retiro de mindfulness, lembro-me que parar e sentir meu corpo, minha respiração era algo realmente assustador. Eu sentia meu coração bater acelerado, uma agitação no meu corpo e notava pensamentos sobre o que eu precisava fazer a todo momento. Os pensamentos eram tão grudentos que eu passava praticamente a meditação inteira presa nas minhas tarefas para aquele dia e, ao final da prática, me sentia frustrada porque parecia que não estava dando certo, que eu não servia para aquilo, que eu não sabia fazer, que eu não era a pessoa certa para meditar. Porém, eu tive a sorte de encontrar pessoas que me incentivaram a persistir na prática, então eu sentava em um tapete de yoga com duas almofadinhas, colocava um áudio de uma prática e seguia tentando com certa regularidade.
Em uma bela segunda feira após um retiro, eu ainda não via sentido na prática, não entendia por que praticar. Eu estava no ônibus e de repente me vi fazendo a mesma coisa que havia notado nas práticas, me peguei imersa em pensamentos sobre as minhas tarefas para o dia, sobre se eu iria dar conta das tarefas e se iria conseguir atingir os meus objetivos. Naquele momento, eu consegui me observar pensando e, de repente, tudo fez sentido. Eu comecei a perceber como era automático viver a vida na minha cabeça. Comecei a perceber que, quando eu caminhava pela rua, eu não olhava para as árvores, eu não sentia o vento na pele. Eu estava tão focada em planejar o que eu iria fazer quando chegasse ao destino que acabava não aproveitando a caminhada. Comecei a observar como a minha prática de mindfulness era semelhante ao meu dia a dia, as emoções e pensamentos que eu percebia na prática também estavam presentes ali. Como durante a minha rotina eu não notava a presença deles, acabava agindo por impulso sem escolher o que eu queria fazer. Eu estava perdendo meu livre arbítrio e não só isso, estava perdendo a vida! Eu não aproveitava o meu café da manhã, pois ao tomar o café eu já estava pensando nas minhas tarefas, então eu perdia a textura e gostos dos alimentos, perdia os silêncios das manhãs porque minha mente estava barulhenta.
Praticar mindfulness passou a ter um novo sentido para mim, passou a ser sobre aproveitar a caminhada, sobre o amor que eu tenho pela vida. Praticar mindfulness passou a ser sobre sentir a vida na sua integridade e eu passei a ocupar mais vezes, durante o meu dia, esse lugar de quem observa o que está presente, o lugar do “eu”, que permanece estável e observa a constante mudança dos pensamentos, emoções e sensações corporais. Hoje tenho tentado cultivar este eu, que na ACT (Terapia de Aceitação e Compromisso) chamamos de Eu como contexto. Tenho cultivado esta postura de forma mais flexível do que no passado em que me via lutando para praticar todos os dias formalmente para alcançar um resultado extraordinário.
Hoje realizo práticas de mindfulness ao tomar café, respirar de forma consciente, sentir o vento e observar a vista ao caminhar. Cultivar esta postura mais flexível tem me oportunizado aprender valiosas lições sobre como estar presente para mim mesma e sentir as minhas emoções. Sigo aprendendo, e esta trajetória não é um final de conto de fadas em que viveram “felizes para sempre”, sigo observando as mesmas sensações e emoções lá do início: coração acelerado, agitação, ansiedade… Mas agora essas sensações não são mais tão assustadoras porque tenho minha respiração como aliada, por que as vejo de um outro lugar. Então convido você, leitor, a experimentar. Se não se vê disposto a praticar formalmente, sentado, como eu fazia no início da minha trajetória, você pode escolher uma atividade do seu dia a dia e praticar sentir com seu corpo, com os 5 sentidos. Pode ser durante um exercício físico, ao tomar banho ou durante a refeição, e se isso ainda for difícil, você pode apenas respirar profundamente durante o seu dia 1 ou 2 vezes e focar a atenção na sua respiração. Durante aquela respiração não há nada mais para fazer nem nenhum lugar para ir, você só precisa estar ali, sentindo aquela respiração, apenas naquele momento. Termino o texto com uma frase do Jon Kabat Zinn, criador de intervenções baseadas em mindfulness e praticante de longa data.
Meditar significa aprender a sair da correnteza, sentar-se à margem, ouvi-la, aprender com ela e depois utilizar suas energias para nos guiar, em vez de nos tiranizar. Este processo não acontece sozinho, ele exige energia por isso chamamos de “prática”. Jon Kabat – Zinn
Este artigo é de autoria da estagiária da equipe CEFI Contextus – Raphaele Nonnenmacher Colferai