Como podemos estar atrapalhando nossa própria terapia?
O tema do texto desta semana é um tanto delicado. A ideia é que a gente possa pensar um pouco sobre como algumas das nossas características podem atrapalhar no nosso próprio crescimento na terapia. Sou terapeuta, mas hoje falo da perspectiva de cliente.
A terapia é um lugar onde dois humanos se encontram para trocar informações, mostrar emoções, praticar habilidades e fazer planos, assim como qualquer outro tipo de relação. Claro que tem algumas características especiais: há um conhecimento técnico por parte do terapeuta; há uma relação de prestação de serviço; há (quase sempre) pagamento, esse às vezes sendo de terceiros; pode ser que haja um tempo-limite, manejo de risco de vida, entre outras características que não acontecem muito em outras relações.
Considerando todas as diferenças, na relação terapêutica pode ter bastante coisa similar aos nossos outros relacionamentos:
Pode ser que nos sintamos ressentidos por algo que o terapeuta disse, mas acabamos deixando de lado. Deixamos de estabelecer um limite.
Pode ser que precisemos muito ser ouvidos sobre algo completamente novo, e o terapeuta está firme no plano da sessão. Não conseguimos pedir algo que nos era importante.
Não fizemos, ou simplesmente esquecemos da tarefa de casa. Chegamos atrasados. Precisávamos tanto de ajuda pra melhorar essas habilidades, mas falhamos em trazer isso como um problema.
Isso pode ser interpretado de formas bem invalidantes, como se estivéssemos nos “autossabotando”. “Resistentes”, como dizem alguns antigos. “Se precisasse de terapia mesmo, estaria no horário. Teria feito a tarefa de casa. Teria buscado o psiquiatra pra atualizar o medicamento. Na hora que precisar mesmo, isso vai vir de dentro. Não adianta forçar.” Isso pode ser um ótimo atalho – até para nós mesmos – para esquivar de problemas que talvez façam parte de todos nossos relacionamentos.
Um pressuposto da Terapia Comportamental Dialética (DBT) é que estamos dando o melhor de nós mesmos, e mesmo assim precisamos melhorar. É um pressuposto porque não podemos prová-lo ou refutá-lo, mas podemos acreditar nele como um pilar do nosso trabalho.
Tendo isso em mente, podemos pensar: que problemas tenho na minha vida que estão atrapalhando na terapia?
A resposta pode variar de extremos como:
Pensar que “sou irreparável, um desastre”, ou pensar que “sou perfeito, os outros que devem mudar”.
Agir de forma impulsiva, como numa recaída em uso de substâncias ou trabalho excessivo. Ou agir de forma friamente calculada, planejando fazer exatamente o que posso “esfregar na cara” de quem me criticou.
Pensar que “não há cuidado sem abuso”, ou pensar que “não posso ter intimidade sem machucar as pessoas”.
Isso são só alguns exemplos, mas cada um de nós pode observar que dificuldades estamos levando para a terapia, impedindo nosso próprio crescimento. Claro que dificilmente isso é proposital, então é mais um ótimo motivo para se compartilhar isso com o terapeuta, permitindo um momento de trabalho em equipe: você e o terapeuta contra esse problema.
Referência:
Chapman, A. L., & Rosenthal, M. Z. (2016). Managing therapy-interfering behavior: Strategies from dialectical behavior therapy. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/14752-000
Artigo escrito pelo psicólogo Giovani Gatto, integrante do Núcleo Contextus.